Tem dias em que eu acordo querendo mudar tudo ao meu redor. Essa sensação de insatisfação, de desentendimento com meus sentimentos, de inconsistência, incoerência… tem dias em que o coração, pesado demais, só quer deitar numa rede e sentir a brisa no rosto, só quer contemplar um vasto e impreciso horizonte cheio de novas possibilidades.
Tem dias em que eu queria fugir daqui. Tem dias em que eu só queria me consertar, sabe? Dar um jeito rápido igual ao meu avô fazia sempre que um brinquedo meu quebrava… ele parecia tão sábio, ele era tão sereno. E eu cresci achando que consertar coisas quebradas era uma habilidade simples demais porque pra ele parecia simples demais. E daí eu virei especialista em tentar arrumar os problemas dos outros, em fazer parte da equipe do CSI que, em menos de 42 minutos, desvenda todos os problemas das pessoas que me cercam. Mas nunca foi fácil consertar tudo quebrado aqui. Nunca foi fácil admitir também. Se aqui é onde estou agora, eu preciso estar bem, feliz e saudável, eu preciso ignorar as minhas paredes clamando por reconstruções e lá vou eu colocar um pouco de remendo nas fissuras da alma, passar uma demão de tinta e empunhar o ‘sorriso dos campeões’. Por que nem tudo pode ser como eu quero? Porque eu não sou capaz de entender que, talvez, e apenas talvez, este seja o grande segredo da vida pra que eu possa aprender que grandes mudanças não vêm embaladas pra presente e milimetricamente desenhadas pra atender às minhas expectativas delirantes.
Seria tudo tão mais fácil se o momento das grandes mudanças estivesse sinalizado com um grande bandeirão e embalado em tudo aquilo que minha mente fértil idealizou; tão mais crível não precisar mexer no meu aqui porque a bagunça do passado é grande demais, porque o fardo dos dias é pesado demais e mudança não significa que seja indolor ou positiva ou a fim de me levar a novos lugares… mas quem disse que eu quero aceitar isso? Minha reinvenção precisa ser aqui, precisa ser agora, precisa vir como eu sempre sonhei e trazer sentimentos instantâneos e abrir sorrisos automáticos e não mexer nas estruturas de quem sou.
Mas como eu farei melhor o meu aqui se eu continuar remendando quem sou e não acolher minhas rejeições, meus medos, minhas reticências emocionais? Como eu posso me reconstruir se eu não quero me quebrar? O meu aqui depende de mim porque, por mais idiota que isso possa parecer, aonde quer que eu vá, aonde quer que seja o meu aqui, eu vou junto, eu estou lá. (sim, como você pôde comprovar, isso é realmente idiota depois de lido em voz alta). Será que nessa autossabotagem de mudança eu não estou, mais uma vez e pra variar muito, sabotando os limites do meu aqui? Será que eu, realmente, não preciso mudar de lugar pra ver mudar o meu aqui?
Eu só queria dar um ctrl +alt +del e, instantaneamente, ressurgir com o cabelo da Anna Karina, o guarda-roupa da Blake Lively, o QI da Shakira e aparecer passeando despretensiosa como aquelas celebridades capa de matéria do Ego (descanse em paz, amigão). Eu só queria ver um sinônimo de mudança, um indício de que algo está diferente, um sinal de que tudo vai dar certo amanhã e depois e depois e depois e. Mas pra isso eu continuo olhando pro céu à espera de uma estrela cadente no exato momento em que o relógio bater horas iguais e um fusca branco passar na esquina da rua. Tudo ao mesmo tempo, que é pra confirmar MESMO que o sinal foi pra mim e não pra vizinha que também está na janela, quem sabe buscando seu próprio sinal. E eu continuo olhando pro céu, esperando o meu sinal, enquanto mentalizo meu plano de mudança pra, enfim, recomeçar meu aqui, meu já. Mas o céu continua limpo, passam dois ônibus ao invés do meu fusca branco e eu começo a empilhar sonhos mirabolantes para não pensar nas minhas questões — as mesmas que eu levarei comigo aonde quer que eu vá, porque elas são meu aqui; elas são quem sou.
Não há mudança climática ou geográfica, apenas a idiossincrática mesmo. Eu vou me carregar pra onde eu for, o meu aqui vai continuar ali ou acolá. Mas o meu aqui pode ser diferente se eu passar a olhar pra mim sem a roupa da rejeição, sem tanta aversão aos medos “de-mim-só”, sem tanto pavor de acolher quem sou, de entender o que sou. Eu não acredito em uma vida sem segundas, terceiras, quartas, quintas, sucessivas chances de mim pra mim mesma porque pro meu aqui real ser o meu aqui ideal eu só preciso dar o primeiro passo em minhas caminhadas diárias. E podem ser passos pra trás se eu realmente precisar me perdoar por algo que soterrei durante anos até que eu consiga me mover pra frente, novamente… o importante é eu não parar de caminhar, daquele jeitão do Almir Sater mesmo, sem pressa e compreendendo que a marcha é ir tocando em frente.
Isso aqui tudo é uma abstração alicerçada em mais abstração? Sim. Isso tudo aqui sou eu cimentada em pensamentos dispersos e confusos? Sim. Mas isso aqui também sou eu reconhecendo minhas aflições que, durante a semana inteira, clamaram por explicações lógicas quando tudo o que eu tinha pra dar era lírica; isso aqui sou eu admitindo as batalhas diárias (algumas derrotas humilhantes, alguns nocautes vencedores) travadas com minhas paranoias de estimação.
Por que é tão difícil reconhecer que trago comigo muito do que preciso? Por que é tão difícil reconhecer que, pro meu aqui, eu tenho tudo o que preciso no “instante-já”? Em dias assim, eu preciso me lembrar de respirar fundo, de revisitar as minhas estantes internas, abrir os potinhos de serenidade e repetir que “vai ficar tudo bem”. E, por tudo bem, eu me coloco na berlinda novamente, eu me preparo para obstáculos e desafios, eu me preparo para as flores do caminho porque eu sei que sempre vai haver algo por mudar, um vazio pra preencher, uma lista pra riscar, uma lágrima a escorrer e uma fossa pra viver. Eu sei que sempre vai haver uma conjunção adversativa, mas também sei que é isto que vai me puxar à margem de mim mesma todas as vezes em que eu acreditar que mudar algo no meu aqui é o que vai “me fazer feliz, enfim” porque eu me recuso a “ser-feliz-quando-caso-ou-se”; eu me recuso a condicionar o meu aqui.
Um murro no estômago com um abraço de urso.
Me reconheço, e vejo que não estou só