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Foto do escritorVanessa Reis

devo muito à solidão


Foto de u bilhete escrito a mão, em tinta vermelha: o que me atormenta é que tudo é 'por enquanto', nada é 'sempre'

Excertos de Clarice Lispector.


"Como você está se sentindo hoje?", me pergunta, assim que me vê.

"Cansada", dou a mesma resposta pela terceira semana consecutiva.

"Será que você está chamando o que sente pelo nome certo? Talvez o que você chama de cansaço seja tristeza."


E não é que é? Como naquela canção "parece cocaína, mas é só tristeza". Que surge de tempos em tempos. E não envia um memorando nem uma mensagem no zap efron perguntando se eu posso recebê-la dia 21 de janeiro de 2024. Ela chega como chuva em meio a um céu ensolarado e desce como menstruação: o tempo dela não é medido pelos ponteiros do relógio. E como eu queria que fosse! Porque assim eu saberia que horas ela vai embora. Parece aquele trecho do Luan Santana: eu nunca sei se, com ela, eu preciso passar apenas um café ou fazer minha vida se encaixar na dela... e este é o meu problema. Porque eu gosto de rotina. E regras. E constâncias. Porque eu gosto de saber.


A minha tristeza é uma excelente contadora de histórias. Ela me mostra cenários complexos demais, plausíveis demais. E em todos eles, ela sempre me conta que eu estou acompanhada pela solidão. E demonstra com aptidão como as teorias não são apenas teorias: as histórias dela sobre mim não são meramente ilustrativas.


Eu sei que algumas coisas não ficam mais fáceis.

Eu sei que algumas coisas doem para sempre.

Eu sei que devo muito à solidão.

Eu sei.


Mas hoje não. Hoje eu não quero pensar em todas as histórias que eu contei a mim mesma para me sentir melhor; eu não quero me lembrar de todos os momentos que vivi apenas dentro da minha cabeça; nem quero me sentir grata pelos lampejos que se transformaram em projetos de escrita, todos eles trazidos pela jangada da solidão. Você não sabia que a solidão usa uma jangada? Prepare-se para saber que a tristeza ama passear com ela por ser uma exímia pescadora.


Elas são uma dupla talentosa! Enquanto uma vem em doses homeopáticas, porque, olhe só, jangadas são lentas(!), a outra é mestre em pescar aqueles momentos. Sim, estes mesmos que você pensou. Os que mais doem, os que mais a gente sente, quase sempre os daquelas praias com plaquinha de 'proibido pescar'.


"Pois é, descobri que estou triste," digo, com um sorriso nos lábios.

Ela me observa por tempo demais, como se me desafiasse a manter o sorriso. Coitada.

"E que talvez eu esteja triste há tempos."

"Que é o título de uma das minhas músicas preferidas do Legião Urbana," digo costurando uma informação à outra, meses depois.

"Coincidências? Acho que não."


Certeza de que não.


Na música, a melodia cresce enquanto o Renato Russo aumenta a voz: Disseste que se tua voz tivesse força igual à imensa dor que sentes, teu grito acordaria não só a tua casa, mas a vizinhança inteira... Vai ver por isso eu sou silenciosa. E lenta. E falo baixo. Talvez seja pela constante dor que sinto. Talvez seja pela fraqueza do meu grito. Talvez seja por não saber pedir ajuda. Talvez seja porque me programaram para não pedir ajuda dentro daquilo que eu consigo. Porque conseguir, quando se tem deficiência, é um troféu. "Não, querida, ela faz x, y e z sozinha, nunca precisou de ajuda pra isso ou aquilo," diz com olhar de superioridade.


Então eu não posso não conseguir, você me entende? Porque eu já não consigo muita coisa. E não conseguir é, na maioria das vezes, o que me faz estar... sozinha. Me sentir sozinha. Mesmo cercada de gente. Principalmente cercada de gente. Não conseguir é igual a fracassar. E estar triste é perder. Não é assim que as coisas funcionam?


"Sabe uma coisa boa?", faz uma pergunta retórica. "Em momento algum você disse que era triste, percebeu?" Não. Não percebi, mas também não respondi.

"Você tem consciência de que é transitório, isso é bom."


É bom?


Me lembro da frase de "Amanhã, Amanhã, e Ainda Outro Amanhã" que diz que "vencer é aceitar que existem algumas corridas impossíveis de vencer."


Então é bom.


Porque, definitivamente, eu não estou vencendo esta corrida. Na verdade, sinto como se nem tivesse saído do lugar. Um dia, quem sabe, a tristeza se despeça com lágrimas nos olhos e diga que aqui está apertado demais pra nós duas. Até ela chegar de novo, já que a vida é um estar chegando infinito.


E que um dia eu também chegue. Não sei (ainda) exatamente aonde. Não sei (realmente, eu não sei) como. Mas espero sentir o movimento aqui dentro, que eu me sinta saindo do lugar de algum jeito.


Que eu sinta.

E me sinta diferente.

Porque agora eu sei dar nomes ao que sinto.

Ao menos isso.

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