“Antes de poder viver com os outros, eu tenho de viver comigo mesmo.” (O Sol é Para Todos, Harper Lee, 1960).
Quanto mais forte o vento sopra contra mim, quando mais as circunstâncias parecem dificultar os meus avanços, quanto mais paredes sentimentais eu preciso escalar, mais eu percebo que só terei a força de que preciso se eu voltar pra mim. Pra dentro. Pro centro. Perceber quem a gente é, seja naquele momento de céu cor tristeza, seja naqueles dias de sol, é a coisa mais difícil; mas a mais importante. Porque quando a gente sabe quem a gente é, quando a gente entende do que a gente é feito… mano, não tem quem nos pare. Porque a gente cresce. A bússola da vida parece que cai no nosso colo porque, hoje, ainda que esses pequenos entendimentos sobre si mesmos pareçam pouco ou quase nada, tudo o que o meu próximo não precisa é de mais alguém perdido no meio do vendaval.
Eu não quero fazer parte dessa psicose coletiva, eu não quero fazer parte desse conjunto de desesperos, eu não quero matar as palavras que ainda nem nasceram; não quero bater continência pro medo, pro imprevisível, pro “se”. Principalmente, eu não quero calçar os sapatos de outro alguém e seguir por um caminho que não é meu, que definiram antes mesmo de eu chegar. Quanto mais eu penso em mim, mais eu percebo a força que tenho, mais eu preciso da força que tenho.
Eu fiquei pensando esses dias em quão bobo a gente é por achar que “os dias de sol” são perfeitos porque têm luz. Acaso esquecem-se do viés desértico que, apenas dias de intenso sol, trazem? Acaso esquecem-se que os inconvenientes vazamentos sejam na encanação, sejam nos canais lacrimais, apenas aparecem quando há buracos quer no sistema hidráulico, quer na alma? Acaso esquecem-se que doença é cura manifestada e que a maioria dos perrengues diários vem atrelado a algum aprendizado necessário?
Eu não me importo em parecer uma pequena versão da Emília, costurada antes mesmo de nascer, se isso me trouxer a exata certeza de quem sou. Não me importo em parecer uma colagem mal diagramada de quem um dia fui, se isso me der a paz de espírito que tanto procurei. Não me importo de ser um pouco Frankenstein e todos os seus pedaços estrategicamente costurados num grande patchwork humano, se isso me der a chance de me reinventar; de aprender a ser apesar de.
A vida é devagarinha mesmo, ela não vem com filtro acoplado e não liga pro script colado na parede clamando por uma grande reviravolta a la novela mexicana ou explosão hollywoodiana. A vida é devagarinha pra nos fazer lembrar, à medida que pode e do jeito que dá, que ela acaba sem aviso prévio ou proporção apocalíptica. Ontem era-se, hoje não. Ontem era-se, hoje… também; porque existem dias que a gente morre estando vivo, sucessivas vezes, até. Brilhar é resistir. E, de tempos em tempos, a gente brilha.
Eu não sei muita coisa da vida. Nem mesmo revirando as minhas gavetas repletas de perdas e ganhos. O que sei e posso afirmar é que toda a chuva que já passou por aqui, regou meu solo; me fez jardim. E se hoje eu consigo conceber consciência é porque ontem eu desisti do guarda-chuva mesmo morrendo de vontade de lacrar todas as janelas por medo de deixar a água entrar.
Deixa chover… deixa fertilizar… deixa crescer.
Nota sobre o título: Clarice Lispector é uma das minhas pessoas favoritas no mundo e o livro “ Uma Aprendizagem ou O Livro dos Prazeres“ é maravilhoso, principalmente por iniciar numa vírgula e terminar em dois pontos, como quem diz, desde o princípio, que é mais do que apenas um bom enredo; deixando claro no final que o final não é o fim, o final é você quem faz. #ousada
Commentaires