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Foto do escritorVanessa Reis

Aos trinta, não me pergunte como, você apenas sabe

Como eu vim parar aqui? Eu só tenho seis anos!


Quando nascemos tudo é novidade, tudo é descoberta. Começamos a crescer e tendemos a quebrar regras, a afirmar quem somos; a nos descobrir. Enquanto crianças, se não gostamos de alguma coisa: falamos. Se não gostamos de como uma pessoa nos faz sentir: nos afastamos, arrastando consigo o brinquedo preferido, porque gente chata não merece estar na presença do nosso brinquedo preferido. Reclamamos. Inventamos. Acreditamos no impossível… até crescermos. E insistirmos em pessoas que não queremos em nossas vidas, aceitarmos e engolirmos aquilo que nos é apresentado. Como se fosse regra. Como se fosse certo. Por vezes, nós não questionamos. Nós vamos reproduzindo… e trocando mentes felizes por uma lista de obrigações controladas pelo tempo.


Até chegarmos aos trinta. Porque, aos trinta, tudo muda. Aos trinta, não me pergunte como, você apenas sabe.



Aos trinta você já é adulta. Aos trinta você deve saber o que fazer, como agir, falar, se comportar. Aos trinta você deve estar num relacionamento estável ou já ter casado ou estar prestes a se casar ou estar fazendo o enxoval do primeiro filho ou ter um animal de estimação te esperando em casa ou um vasinho de plantas na janela porque você, aos trinta, precisa cuidar de alguém; de alguma coisa. Porque, aos trinta, você se cuida. Você se cuida muito. Ninguém se cuida mais do que você. E você sabe de cor todos os produtos para seu tipo de pele e cabelo, inclusive quais perfumes se destacam em você e quais tecidos e roupas valorizam teu corpo.


Aos trinta você tem opinião sobre tudo porque você entende todos os assuntos. Aos trinta você trabalha, é reconhecida na profissão, sai todos os dias, viaja todo ano, sempre vê seus amigos, recebe propostas irrecusáveis, é elogiada por todos porque, aos trinta, você sabe o que você quer. Como quer. E, principalmente, aos trinta você tem a manha para pavimentar esse caminho de quereres. Aos trinta você é autossuficiente. E sempre tem dinheiro: na carteira, na poupança, nos investimentos da bolsa de valores, nos bolsos das calças de alfaiataria porque você não usa jeans; não aos trinta. Você não chora por bobagem porque guarda as suas lágrimas para coisas importantes, como a morte de alguém. Mas aos trinta você não perde pessoas que ama. Você ainda é muito jovem para isso; apenas para isso. Então, aos trinta, você está segura. Os trinta são a idade do sucesso, o ápice da sua genialidade, o desabrochar de todas aquelas sementes que você plantou até chegar… aos trinta.



Mas eu passei dos trinta. E eu não tenho nada disso. Então, tecnicamente, eu não existo. Eu sou a curva descendente que não se sente preparada, mas levanta da cama todos os dias porque, quem sabe, hoje tudo possa dar certo. Eu sou a curva descendente que acumula papeis timbrados e assinaturas em documentos porque já desistiu de acumular sonhos que nunca verão a luz do sol. Eu sou a curva descendente que respira dor, que reconhece a fragrância do fracasso e consegue harmonizar notas de invisibilidade numa taça de lágrimas frescas. Eu sou a curva descendente porque, passando dos trinta, não existe mais possibilidade de subir. Eles disseram. E eu não consegui ouvir quando me aproximava dos trinta. Eu não consegui ser quando completei trinta. Eu não consegui.


Numa lista de “30 coisas antes dos 30”, não fiz 27. Aparentemente porque as outras três eram fáceis demais, como manter as finanças em ordem, ler um romance clássico em outro idioma e fazer novos amigos. Vai ver foi aí que tudo deu errado. Aquele passaporte que nunca tirei. O idioma que nunca dominei. O instrumento que nunca toquei. A viagem a Santiago de Compostela que nunca cogitei. Vai ver foi isso. Agora entendo. Eu continuei julgando a mim mesma, cobrando perfeição de mim mesma, não devolvendo leveza, empatia e positividade a mim mesma. Não é isso que dizem? Aos trinta a gente aprende a viver com um propósito e, olhe só, tem coragem para fazê-lo real, sempre e todos os dias, porque a gente não faz mais drama, é mais gentil consigo mesma e, graças a Deus, tem aquela confiança tão grande no próprio potencial que nada nos abala. Fortes e resistentes como os montes do horizonte. Logo eu, mera neblina?



Você é quem está certa, Martha Medeiros, nos fizeram acreditar em tanta coisa para antes dos trinta… Nos venderam tantas paranoias enroladas em receitas e listas que, quando percebemos, esquecemos de ler as bulas; apenas fomos ingerindo os comprimidos, aumentando a dose sempre que o peso, quem diria!, dos trinta se aproximasse; nos aprisionasse.


O que eu mais gosto, depois dos trinta, é entender que eu não preciso estar feliz todo dia. Como hoje. E que, mesmo depois dos trinta, entendo que existem fases universais na vida. Eu não posso me cobrar comportamentos etários porque não posso encarar minha idade como uma tabela dentro de uma norma básica da ABNT. E eu posso ser adulta e continuar sendo o meme “mas eu só tenho seis anos”, a depender da situação, do dia, do momento; do meu momento.


O que eu mais gosto, depois dos trinta, é entender.


Me entender.


Me perceber. Me acolher.

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